sexta-feira, 29 de novembro de 2013

4.

Nunca tive a arte de prevenir alguém contra mim – também isto agradeço eu ao meu pai incomparável – mesmo quando isso tivesse acabado por ser-me proveitoso. Nunca tive prevenções contra mim, mesmo quando tal possa parecer muito pouco cristão. Pode revolver-se a minha vida em todos os sentidos, que nunca nela se encontrará, senão muito raramente, e propriamente uma só vez, sinais de malevolência dos outros homens contra mim – encontram-se até, pelo contrário, sinais de boa vontade…
 As minhas experiências, e mesmo com aqueles que desiludem toda a gente, depõem em favor deles. Domestico todos os ursos e transmito sensatez aos próprios palhaços. Durante os sete anos que ensinei grego na classe superior do Instituto de Basileia, nunca precisei de aplicar um só castigo; os mais preguiçosos, comigo, eram diligentes. Estive sempre à altura das circunstâncias; é indubitável que não estou preparado para ser meu próprio mestre. Qualquer que seja o instrumento, embora se encontre tão desafinado como está o instrumento «homem», conseguirei sempre, excepto se estiver doente, tirar dele algum melodioso som. Algumas vezes me aconteceu ouvir dizer aos próprios instrumentos que nunca tinha chegado a produzir tais melodias. Quem o deu a entender da mais engraçada maneira foi esse Henrique de Stein, que veio uma vez estar três dias em Sils-Maria, depois de ter tido o cuidado de se anunciar, declarando a toda a gente que não vinha exclusivamente por causa de Engadine. Este homem apreciável, que com toda a impetuosidade de um Junker prussiano se aventurara nos pântanos wagnerianos (e também nos de During) foi, durante três dias, como que transformado por um furacão de liberdade, como alguém que se sente subitamente levantado à própria altura e a quem despontaram asas. Eu não me cansava de repetir que a causa disso eram os ares, que o mesmo se dava com toda a gente e que não estávamos em vão a 6000 pés acima de Bayreuth. Mas ele não queria crer no que lhe eu dizia…
Se, apesar disto, cometeu em relação a mim algumas grandes e pequenas infâmias, não há que buscar a razão disso na «vontade», e ainda menos na «má-vontade». Eu teria antes razões para me queixar da «boa vontade» que para comigo durante tantos anos mostrou.

A minha experiência dá-me o direito de desconfiar, de maneira geral, dos chamados instintos «desinteressados», desse «amor ao próximo» sempre disposto a socorrer e a dar conselhos. Tal amor aparece-me como debilidade, como caso particular da incapacidade de reagir contra os impulsos. A piedade só nos decadentes é virtude. Censuro nos misericordiosos irem facilmente contra o pudor e o sentimento das distâncias. A compaixão degenera, num abrir e fechar de olhos, em coisa da populaça e acaba por tomar grosseiro aspecto. As mãos piedosas podem ter acção destrutiva nos grandes destinos, atacar a solidão magoada, o privilégio que uma grande falta confere. Dominar a piedade constitui para mim nobre virtude: descrevi, sob o nome de Tentação de Zaratustra, aquele momento em que um grito de angústia chega aos ouvidos de Zaratustra e em que a compaixão o invade, último pecado capaz de o tornar infiel a si próprio. É aí que importa dominar-nos; é aí que importa conservar a grandeza da nossa missão, livre do contacto de todos aqueles impulsos vis e mesquinhos que actuam nas acções que se dizem desinteressadas. E eis a prova, talvez decisiva, que teve de fazer Zaratustra, a verdadeira demonstração da sua força.

Nietzsche, Ecce Homo, como se chega a ser o que se é

domingo, 24 de novembro de 2013

Apresentação

Título do lIvro: "Na Penúria em Paris e em Londres"
Autor: George Orwell                                   Editora: Antígona                           
Tipo de Livro: Não Ficção (Relato)
Sobre o Autor:
George Orwell é o pseudónimo de Eric Arthur Balir
Blair nasceu em 1903, filho de aristocratas ingleses,  e tornou-se conhecido pelos seu trabalhos jornalísticos e como escritor.  Tendo viajado entre várias culturas, foi muito observador e crítico da sociedade e escrevia os seus textos com base nas suas próprias experiências.
Este livro resulta de três anos em que a sua vida foi passada junto dos mais pobres, nas cidades de Paris e Londres.
"Na Penúria em Paris e em Londres" foi o seu primeiro trabalho sob o pseudónimo George Orwell .

Introdução da Obra:
                Tempo:  por volta do ano de 1930
                Espaço: Primeira parte - Paris
                                Segunda parte - Londres

Personagens:
Orwell  -  Está presente mas não se identifica - O livro é narrado pelo autor.
Boris - um Russo gordo, bem disposto e muito otimista.
Paddy - um irlandês amigável, ignorante e ingénuo - mestre em saber como comer  e onde dormir gratuitamente em Londres.
Bozo - Um pintor de passeios e astrónomo amador. Homem culto, observador, filósofo

Resumo da Obra:
A Obra relata a vida de um sem-abrigo, as dificuldades, as motivações diárias, e como obtém pequenos prazeres.

Orwell  é professor particular de Inglês em Paris. Ganha pouco e vive num bairro de vizinhança miserável. Quando fica sem aluno resolve procurar ajuda num amigo - Boris - que encontra também sem emprego e sem dinheiro.  Vão então em aventuras diárias, procurar arranjar trabalho, até que conseguem num hotel de luxo em Paris.: Orwell como lavador de pratos "plongeur" e Boris como empregado de mesa.
Entretanto um amigo de Londres diz-lhe que tem um trabalho a ensinar um doente. Sem hesitar, abandona Paris. Mas ao chegar, fica a saber que só começará um mês depois. Inicia agora em Londres a sequela de sobreviver durante esse tempo junto dos sem-abrigo da cidade. Conhece Paddy,  e juntos vão percorrer a cidade em busca dos locais que oferecem comida gratuita, e à noite refugiam-se nos abrigos estatais para os "sem-abrigo".
Por fim conhece a última personagem do Livro, Bozo, que gosta de falar a sua visão do mundo em seu redor e explica que os artistas de rua, os que guardam os carros e outros, são tão importantes como um vendedor de um produto não essencial (banha da cobra).

Orwell através de Bozo que dá a explicação de que é ser pobre -  demonstrando que são inofensivos, que são pessoas simples, honestas e que o seu quotidiano se resume quase exclusivamente à luta por encontrar comida e um sitio para dormir.
O que mais gostei na Obra:
                Da caracterização das personagens;
                Das peripécias por que passam e das estratégias, para arranjar dinheiro:
                                Venda de objetos e roupas usadas nas lojas de penhores;
                                Pedir dinheiro às ex-amantes; aos amigos;
                                Ingressar em sociedades secretas...
                Do discurso em linguagem simples e imaginativa
                Das descrições realistas do ambiente vivido nas cozinhas do hotel de luxo (em Paris):
                               As condições de trabalho;
                               Os cheiros;
                               A confusão das operações;
               
" Por toda a parte, mas nas seções de serviço a sujidade imperava - um veio secreto de sujidade, correndo pelo interior do grande hotel de luxo, como os intestinos por dentro do corpo humano".

                Das descrições dos alojamentos gratuitos de Londres

O que me

a leitura do livro transmitiu: Um ponto de vista diferente sobre a realidade de quotidiano do sem abrigo.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Autobiografia



  • Quem com 16 anos tem um passado? Uma história para contar? Como uma pessoa tão jovem e tão inexperiente viveu algo que a marcasse para sempre? Muitos certamente não, pois nunca tiveram que fazer escolhas que mudariam totalmente as suas vidas. Com a minha "experiência de vida", o que vivi? nada, apenas vivo sonhos de um futuro lindo e perfeito na minha doce imaginação.O que define a maturidade é tudo que vivemos, tudo que erramos e com isto aprendemos, é saber discernir o certo do errado, a verdade da mentira, a bondade da maldade, saber que a vida vai para além do que se vê e do que se imagina.Muita nova deixei o meu país de origem, não por vontade própria, mas porque como somos jovens temos de viver a nossa vida em função da vida dos nossos pais. Vivi toda minha infância num país maravilho, repleto de coisas boas como a cultura, diversidade, alegria e grandes amizades mas também com um lado não tão bom assim, como a criminalidade, violência e insegurança. Mesmo assim sempre tive a ganancia de ter mais e mais e para alcançar o meu objectivo tive de escolher, uma difícil escolha. Mudar de casa, de ares, de ambiente não é fácil deixar para trás uma vida um futuro mesmo que fosse incerto, para que? Correr atrás de um outro futuro que pensamos ser o mais correto? Muitas vezes pensamos com a razão ao invés do coração, e fazemos o que chamamos de "melhores escolhas". Tive que passar por isso. Tive que crescer antes do tempo certo, tive que aprender a chorar sozinha, a enfrentar os problemas e a vida que eu escolhi de frente, com coragem, sem medo. Com está vida aprendi a lutar e ser forte, fazer o mundo sorrir, aprendi a ser, aprendi a viver, aprendi a perder mas nunca desistir. Nem sempre temos tempo para ficar cansadas, nem sempre temos tempo para parar e chorar.
    Tive que aprender da maneira mais difícil que a distância dói e que a saudade custa a passar.Conheci os livros, o teatro e a música que se tornaram o meu refugio. Descobri que a vida é uma poesia, um palco e as regras de como nela actuar. Se mentir é contar histórias, não importa o importante é criar. Os destinos de todos nos foram traçados e mesmo que tentemos mudar, nunca iremos conseguir, o mais certo a fazer é deixar a história ser escrita no livro da vida de cada um de nós.

Eu, David Barroso



Escrever um texto autobiográfico é um pouco estranho, pois os meus 15 anos de existência são ainda curtos para contar uma história de vida que possa surpreender o leitor. Mas, de qualquer maneira, cá vai:
Olá, chamo-me David Barroso nasci no dia 25 de Novembro de 1998, filho de Manuela Martins e Paulo Barroso, no hospital São Francisco Xavier, em Belém. Os meus pais deram-me este nome devido à célebre lenda da batalha entre David e Golias.
Após nascer revelei-me um bebé fácil de aturar e educar, pois não era um chorão, nem um mau humorado, antes pelo contrário, estava sempre a rir e a brincar com as coisas do meu pai como os sapatos, as pantufas e os chapéus.
Até aos 3 anos vivi com os meus pais num apartamento em Caxias, não me lembro de muita coisa, mas a minha mãe conta-me histórias incríveis de quando eu era pequeno, principalmente histórias com a minha vizinha, Mariana Pereira, uma rapariga 5 anos mais velha que eu, que brincava e cuidava de mim de forma esplendorosa. No inicio, quando a conheci, mal sabia pronunciar o nome dela, portanto comecei a chama-la Tata, muito mais fácil não?
Após os três anos de idade mudei-me com os meus pais para uma casa em Carcavelos, Sassoeiros, uma vivenda situada numa praceta, onde viviam vários membros da minha família, como as minhas tias-avós, Aida e Isabel, o meu tio-avô, João Miguel.
No primeiro dia na casa nova fui conhecer os vizinhos, pareceram-me todos pessoas de bem, mas houve um vizinho que se destacou de todos, ele chamava-se André Lopes, tinha a mesma idade que eu e, desde muito cedo, tornou-se no meu melhor amigo, que tomo como irmão hoje.
A partir de muito cedo demonstrei muito interesse pela música e, como tal, comecei a aprender a tocar guitarra desde os 4 anos. Comecei a aprender com uma guitarra muito pequena, que me ofereceu o meu padrinho galego, Angel, no crescendo musical, em Oeiras.
Em Janeiro de 2003 fui presenteado com algo formidável, uma irmã, que nasceu no hospital da Cuf descobertas em Lisboa, e, apesar de por muitas vezes nos termos zangado e andado às turras, eu gosto muito dela e sempre gostarei aconteça o que acontecer pois, uma coisa é certa, nunca se vira costas à família.
Quando tinha 5 anos comecei o primeiro ciclo numa pequena escola privada chamada o Cavalinho, e, desde de cedo, revelei-me um rapaz inteligente e muito competitivo, tirando boas notas e tentando sempre ser o melhor em tudo. Durante o primeiro ciclo lembro-me especialmente de uma situação: estava no primeiro ano e tive uma professora chamada Sónia que apenas nos pode dar aulas um ano, porque tinha um bebé a caminho, a quem, na presença do seu marido, nos deixou dar o nome.
No primeiro ciclo fiz vários amigos mas houve um que se destacou, Guilherme Fonseca, que revelou-se um grande amigo meu, mas, por grande pena minha, o primeiro ciclo acabou e a nossa proximidade foi-se desvanecendo, mas, mesmo assim, continuamos amigos.
Desde muito cedo, demonstrei grande interesse pelo mundo automobilístico e dos automóveis, de forma que sempre tentei acompanhar os vários desportos ligados a carros e motores tais como: a Formula 1, o WRC e campeonato de sport protótipos.
Quando tinha 8 anos realizei um dos meus maiores sonhos, tornar-me jogador de football, mais precisamente guarda redes, algo que o meu avô e o meu pai já tinham sido. Comecei a jogar football federado no Belenenses, o meu clube de coração, onde joguei durante 3 anos. No início, não foi fácil de controlar diversas situações em casa, pois a minha mãe preocupava-se muito com os horários e receava que os estudos pudessem ficar para trás. Mas, para salvar a situação, chegou-se à frente o meu avô, Sebastião Barroso, que, a partir desse momento, se mostrou como o meu principal acompanhante em termos futebolísticos, estando presente em todos os jogos e treinos, defendo-me sempre em todas as situações e tentando passar-me os seus conhecimentos do desporto.       
Depois do primeiro ciclo abandonei a escola privada e entrei na Secundária de Carcavelos. Durante os três anos que lá andei fui sempre chamado pelo meu célebre apelido, Barroso, a razão não sei porquê, mas enfim lá me habituei. No quinto ano familiarizei-me muito com o meu colega de carteira, Guilherme Bobião, que, no início, era um pouco tímido mas, mais tarde, tornou-se mais aberto e hoje é um dos meus melhores amigos.
Até aos 11 anos fui sempre um rapaz que, algumas vezes, fui chamado de gordo e de facto no sentido literal da palavra era verdade, mas, mesmo assim, a minha mãe desmentia esta situação eufemizando-a dizendo que eu era apenas bem constituído. Mas, com a ajuda do meu pai, consegui dar a volta à situação, com bastante esforço, suor e trabalho, que deu num bom resultado tornando-me no rapaz elegante, forte e tonificado que sou hoje.
Em 2009 recebi a minha primeira guitarra eléctrica, uma Fender Squier Stratocaster vermelha cereja. Não era uma guitarra de top mas eu tomava-la como tal, porque era minha e sobretudo porque se tratava da minha primeira.
Quando fiz 11 anos recebi uma prenda incrível, uma nova guitarra eléctrica, uma Gibson Les Paul Studio Deluxe bordeaux, que sempre estimei muito, tal como todas as outras guitarras que hoje fazem parte de uma colecção de 6 guitarras (2 electricas, 2 semi-acústicas e 2 clássicas).    
Quando tinha 11 anos abandonei o meu clube de coração, devido a umas situações um pouco infelizes, e fui jogar para o A.D.O, onde joguei durante dois anos. No meu segundo ano tive a grande felicidade de ser convocado, pela primeira vez, para a selecção distrital de Lisboa, onde, nos treinos de triagem, tive de lutar pela sobrevivência na equipa com os grandes do Sporting e Benfica, mas, no final de tudo, sobrevivi e fui convocado para o torneio Lopes da Silva Graça, nos Açores, onde fomos campeões.
Quando passei para o 8º ano abandonei a Secundária de Carcavelos e passei a frequentar a Secundária Luís de Freitas Branco, em Paço de Arcos, onde andei durante dois anos. Devo dizer que, sinceramente, foram dois bons anos, onde fiz vários amigos e consegui vários bons resultados.
Mais tarde, em 2012, abandonei o A.D.O e fui jogar para o Estoril Praia, onde admito, com toda a franqueza, que é o melhor clube, em todos os aspectos, onde já joguei. No meu primeiro ano no Estoril consegui ser novamente convocado para a selecção distrital de Lisboa, a fim de participar num torneio em Mértola, onde fomos campeões. Fui, ainda, pre-selecionado para a selecção nacional de sub-15.
No 10º ano de escolaridade mudei de escola e passei a frequentar a Secundária Quinta do Marques, onde agora me encontro, integrando a turma C do 10º de ciências e tecnologias.
Chegado aqui, reconheço-me como um rapaz optimista, alegre, empreendedor, sonhador, amigo do seu amigo, amante de música, desporto e, claro está, miúdas, de preferência, giras e simpáticas. O futuro?! Será o que conseguir fazer dele, pois como aprendi desde cedo: somos os primeiros responsáveis por nós mesmos e por aquilo que somos, e eu quero SER!

Nº 5 10ºC

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Comentário ao excerto "De Profundis, Valsa Lenta"

   O excerto de "De Profundis, Valsa Lenta" de José Cardoso Pires, apresenta-nos um tempo verbal, o pretérito perfeito, que revela que o tempo retratado na autobiografia se situa num passado distante.
   O "eu" recorda-o então à distância, num olhar mais crítico e imparcial.
   O sujeito biográfico tem uma capacidade de análise de pormenores muito aguda, transmitindo ao leitor com enorme precisão os pensamentos que o atormentavam na época a que a dizem respeito as recordações.
   O narrador tem a capacidade de olhar para si como se tivesse abandonado o seu corpo, como se se tivesse duplicado, para descrever a situação aflitiva que um transtorno no cérebro é capaz de provocar.

"The Silence" de Edward Hopper

   O quadro "The Silence" de Edward Hopper, representa, Num plano central, um casal que está numa sala, parecendo ser uma situação noturna.
   A figura masculina lê um jornal, enquanto a mulher toca piano de uma forma desconcentrada, o que evidencia pela postura descontraída.
   O que acaba por se destacar é a distância entre as duas pessoas retratadas, uma distância física e também ao nível dos sentimentos. Habitando a mesma casa, o homem e a mulher aparentam viver no seu próprio mundo, não há um encontro de olhares, nem a postura física indica qualquer ligação mais próxima.


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Caminhada



Quero dizer algumas palavras em nome da Natureza, da liberdade absoluta e do estado selvagem, por contraste com a liberdade e a cultura meramente civilizadas, com o intuito de ver no homem um habitante, uma parte ou uma parcela da Natureza, e não um mero membro da sociedade. Pretendo fazer declarações muito duras, senão mesmo categóricas, pois há já muitos paladinos da civilização: os padres, as congregações escolares e todos vós se encarregarão dessa tarefa.
Encontrei na vida somente uma ou duas pessoas que entendiam a arte de caminhar, ou seja, a arte de dar caminhadas, e que tinham um talento especial para vaguear. Na nossa língua, o termo saunterer, sinónimo de «caminhante», tem uma raiz admirável: remete para «as pessoas livres que vagueavam pelo país, na Idade Média, e que pediam esmolas para ir à la Sainte Terre», à Terra Santa. Não tardou que as crianças exclamassem: «Lá vai um sainte-terrer!», um vagabundo sem eira nem beira, rumo à Terra Santa, Aqueles que nas suas caminhadas nunca alcançam a Terra Santa, embora firmem o contrário, não passam de meros vagabundos e de gente ociosa; mas os que lá vão são saunterers no bom sentido do termo, tal como o entendo. Alguns, contudo, atribuem a origem da palavra à expressão francesa sans terre, sem terra nem lar, que, portanto, em boa verdade, quer dizer gente sem casa a que chamar sua, mas que se sente em casa em todo o lado. Pois é este o segredo da errância bem-sucedida. Um homem que não sai de casa todo o dia pode ser o mais errante de todos, e um sem-terra pode não ser mais errante do que o sinuoso rio que procura persistentemente o caminho mais curto para o mar. Mas eu prefiro a primeira suposição, que me parece a origem mais provável do termo. Pois todas as caminhadas se assemelham a cruzadas pregadas por um tal Pedro, o Eremita, que há em nós, para que partamos e regatemos esta Santa Terra das mãos dos Infiéis.
É verdade que hoje em dia somos apenas fracos cruzados, e que a esta fraqueza nem os passeantes escapam, pois não se comprometem com proezas intermináveis e que exigem perseverança. As nossas expedições não passam de breves viagens que terminam ao fim da tarde junto à lareira que nos viu partir. Metade da caminhada não passa de um refazer do percurso. Até na caminhada mais curta devíamos partir talvez movidos pelo espírito da eterna aventura, sem retorno á vista, preparados para enviar para os nossos reinos desolados somente os nossos corações embalsamados, quais relíquias. Se estais dispostos a abandonar pais e mães, irmãos e irmãs, mulheres, filhos e amigos, e a não tornar a vê-los; se haveis saldado as vossas dívidas, feito o vosso testamento e resolvido todos os vossos assuntos, e se sois homens livres, estais então preparados para uma caminhada.

Henry David Thoreau, Caminhada

De Profundis



«E agora, José?
[…] você marcha, José!
José, para onde?»

Carlos Drummond de Andrade

«Ainda hoje estou a ouvir aquele «é». Espantoso como bruscamente o meu eu se transformou ali noutro alguém, noutro personagem menos imediato e menos concreto.
Nesta introdução à perda de identidade que um transtorno do cérebro tinha acabado de desencadear, o que me parece desde logo implacável e irreversível é a precisão cm que em tão rápido espaço de tempo fui desapossado das minhas relações com o mundo e comigo próprio. Como se acabasse de dar início a um processo de despersonalização, eu tinha-me transferido para um sujeito na terceira pessoa (Ele, ou o meu nome, é) que ainda por cima se tornava mais alheio e mais abstracto pela imprecisão parece que. Além disso, a circunstância de ter respondido á Edite com o apelido e não com o meu primeiro nome, o mai cúmplice entre marido e mulher e o único que nos era natural, é outro indício do distanciamento provocado pelo golpe de azar que me destituíra de memória e de passado.
Ele, o Outro. O outro de mim. Em menos de nada, já a Edite falava ao telefone com os médicos sobre esse alguém impessoal que eu estava a começar a ser. Ouvia-a do meio do hall em grande serenidade. Sabia, tenho essa ideia, que alguma coisa se estava a passar comigo, uma coisa oculta, activa, mas nessa altura já principiava a ouvir e a sentir só de passagem, sem registar. (Mesmo assim tinha algum conhecimento da ansiedade que me rodeava; Isto não vai ser nada, creio ter dito à Sylvie quando a descobri no corredor, atenta aos telefonemas da Edite.)
Lembro-me de que essa manhã foi invadida por um aguaceiro desalmado, ouvia-se chuva grossa e pesada lá fora mas deve ter sido passageira porque quando acabou a Edite ainda estava ao telefone. A partir de então tudo o que sei é que me pus ao espelho da casa de banho a barbear-me com a passividade de quem está a barbear um ausente – e foi ali.
Sim, foi ali. Tanto quanto é possível localizar-se uma fracção mais que secreta de vida, foi naquele lugar e naquele instante que eu, frente a frente com a minha imagem no espelho mas já desligado dela, me transferi para um Outro sem nome e sem memória e por consequência incapaz de menor relação passado-presente, de imagem-objecto, do eu com outro alguém ou do real com a visão que o abstracto contém. Ele. O mesmo que a mulher (Edite, chama-se ela mas nada garante que esse homem ainda lhe conheça o nome, que não a considere apenas um facto, uma presença) exacto, esse mesmo Ele, o tal que a Edite irá encontrar, não tarda muito, a pentear-se com uma escova de dentes antes de partirem de urgência para o Hospital de Santa maria e o mesmo que, dias depois, uma enfermeira surpreenderá em igual operação ao espelho do lavatório do quarto.»


José Cardoso Pires, De Profundis, Valsa Lenta

A Estátua e a Pedra



Com alguma surpresa de quem me escuta, desde há algum tempo venho a dizer que cada vez me interessa menos falar de literatura. Pode parecer isto uma provocação, a atitude do escritor que, para se tornar mais interessante, lança declarações inesperadas e gratuitas. E não é assim. A verdade é que duvido mesmo que se possa falar de literatura como duvido, com mais razões, que se possa falar de pintura ou que se possa falar de música. É claro que se pode falar de tudo, como se fala dos sentimentos e emoções, seria absurdo pretender reduzir ao silêncio aqueles que escrevem, ou aqueles que leem, ou aqueles que sentem, ou aqueles que compõem música ou que pintam ou que esculpem, como se a obra em si mesma já contivesse tudo aquilo que é possível dizer e que tudo o que vem depois não fosse mais do que interminável glosa. Não é isso. Acontece, no entanto, que por vezes experimento o desejo de limitar-me a uma muda contemplação diante de uma obra acabada, pela consciência que tenho de que, de certa maneira, nos domínios da arte e da literatura estamos lidando com aquilo a que damos o nome de inefável. E o inefável, precisamente por sê-lo, é o que não pode ser explicado ainda que tenha de se evitar a tentação de cair em ideias de caráter transcendente, onde tudo encontraria uma explicação precisamente no facto de não ter explicação nenhuma.
À primeira vista, uma atitude como esta não parece racional e, para além disso, choca frontalmente com a definição que de mim mesmo faço, uma pessoa essencialmente racionalista, isto é, alguém que tenta que seja a razão a governar a sua vida, inclusivamente num mundo que poderíamos descrever como paralelo, que é o mundo dos sentimentos que vivem ao lado da razão. Por outro caminho, Fernando Pessoa aproximou-se muito do que quero dizer naquele verso que reza: «O que em mim sente está pensando», ainda que eu proponha, e no fundo não é mais do que um jogo de palavras, como um dos muitos com que Fernando Pessoa se entretinha e nos entretém, que digamos: «O que em mim pensa está sentindo».
Há uma definição que, de certa maneira, marcou o meu percurso como escritor, sobretudo como romancista, e que, tenho de confessar, recebo com uma certa impaciência. Trata-se do rótulo gasto de que sou um romancista histórico, o que se confirmaria tanto por alguns livros que escrevi como pela minha relação com o tempo e posição perante a história. Quero dizer, não obstante, que antes de começar a escrever sustentava como uma evidência palmária (por outro lada nada original) que somos herdeiros de um tempo, de uma cultura e que, para usar um símile que algumas vezes empreguei, vejo a humanidade como se fosse o mar. Imaginemos por um momento que estamos numa praia: o mar está ali, e continuamente aproxima-se em ondas sucessivas que chegam à costa. Pois bem, essas ondas, que avançam e não poderiam mover-se sem o mar que está por detrás delas, trazem uma pequena franja de espuma que avança em direção à praia onde vão acabar. Penso, continuando a usar esta metáfora marítima, que somos nós a espuma que é transportada nessa onda, essa onda é impelida pelo mar que é o tempo, todo o tempo que ficou para trás, todo o tempo vivido que nos leva e empurra. Convertidos numa apoteose de luz e de cor entre o espaço e o mar, somos, os seres humanos, essa espuma branca brilhante, cintilante, que tem uma breve vida, que despede um breve fulgor, gerações e gerações que se vão sucedendo umas às outras transportadas pelo mar que é o tempo. E a história, onde fica? Sem dúvida a história preocupa-me, embora seja mais certo dizer que o que realmente me preocupa é o Passado, e sobretudo o destino da onda que se quebra na praia, a humanidade empurrada pelo tempo e que ao tempo sempre regressa, levando consigo, no refluxo, uma partitura, um quadro, um livro ou uma revolução. Por isso prefiro falar mais de vida do que de literatura, sem esquecer que a literatura está na vida e que sempre teremos perante nós a ambição de fazer da literatura vida.
Este encontro autor e leitor tem por título A Estátua e a Pedra, e, para cumprir o programa que me propus, não tenho outro remédio senão regressar ao problema de se sou ou não sou romancista histórico. Alexandre Herculano, o grande historiador português do século XIX, dedicou-se também a escrever romances históricos (O Monge de Cister, Eurico o Presbítero e O Bobo), romances que hoje não são fáceis de ler porque estão escritos com um estilo muito denso, lento, com demasiada frequência sobrecarregados de um retórica romântica dificilmente suportável. De toda a forma, são livros cujo conhecimento é imprescindível se nos referimos á literatura portuguesa do século XIX. No caso de Alexandre Herculano pode-se dizer que a sua obra literária foi uma consequência direta do seu trabalho de historiador. Detenhamo-nos agora num outro autor português, mais tardio, muito menos importante, produto de outra formação, para não dizer que não teve nenhuma. Falemos então deste que está aqui, sem estabelecer qualquer tipo de comparação. Tendo eu começado a minha vida literária muito cedo, uma vez que aos vinte e cinco anos publiquei um romance que se não era bom tão-pouco era mau, só vinte anos depois voltei a publicar um livro, facto que, por certo, induziu algumas pessoas de boa vontade a perguntar-se se o autor decidiu ficar calado durante anos para ganhar experiências vitais que depois podia trasladar para a literatura. Obviamente respondo que não, que ninguém tem a certeza de viver mais vinte anos. Seria absurdo dizer: «Vou agora esperar vinte anos», como se os tivéssemos garantidos, «para, depois disso, começar a escrever com mais rigor e seriedade». Não foi assim, e de resto toda a minha vida foi feita sem planos, sem projetos, sem estratégias, sem definir caminhos para chegar a determinados objetivos. Na vida, mas também na literatura.


José Saramago, A Estátua e a Pedra

Bilhete de Identidade



«Escrever memórias não é uma decisão simples. Há, é verdade, o consolo de nos revermos à doce luz da infância, mas a descoberta de que o livre-arbítrio é menor do que imaginávamos é dolorosa. No dia em que, no final da adolescência, decidi, como a madame de Merteuil do romance de Laclos, que a minha vida seria «a minha própria obra», não sabia até que ponto existiam limites, físicos, psíquicos e sociais, às minhas acções, mas hoje, passados sessenta anos, reconheço que nem todos os caminhos me estavam abertos. Em nova, felizmente, não o sabia. As grandes decisões da minha vida – aquelas que, olhando para trás, reconheço como determinantes – nem sempre foram tomadas de forma consciente. Quando isto me dói, refugiu-me nas conjunturas – e muitas houve também – em que a vontade foi crucial.
Outro aspecto que me espantou foi a continuidade do ser humano ao longo do tempo. Antes deste exercício, imaginava que a minha vida havia sido dominada por rupturas tão profundas que não podiam ter deixado de alterar a minha personalidade. Mas, logo nas primeiras expressões, como a exigência de ser punida, é visível a impressão digital. Isto pareceu-me tão bizarro que tive a sensação de ter forjado o documento, em A História do Bebé, no qual se conta que, com um ano, pedia «tau-tau» à minha mãe. Mas o facto estava (está) lá.
À medida que ia escrevendo, descobri outras coisas. Sempre pensara que a emancipação feminina era uma caminhada até ao Dia Final da Igualdade entre os Sexos. Mas, nas mulheres que aqui surgem, a minha avó, a minha mãe e eu, há algo que não é linear. Seria a minha avó menos emancipada do que a minha mãe? E eu tê-lo-ei sido mais do que esta? A minha filha terá gozado de uma autonomia maior do que a minha? E as minhas netas? Mesmo sem entrar na questão do condicionalismo genético, a resposta não é fácil. Finalmente, tive de admitir ser a nossa vida feita de escolhas, de acasos e de momentos únicos. Não sei, ninguém sabe, qual a ordem de prioridades.
Num país sem tradição memorialística, como é o caso português, no qual as memórias representam sobretudo a justificação de acções pretéritas, procurei apresentar a minha vida friamente. O facto de ter tentado resgatar tudo aquilo que vivi pode criar a ilusão de objectividade, mas é evidente que cada um cria a «sua» própria história e a da «sua» família. Sempre me surpreendeu o contraste entre a imagem que os amigos me forneciam das respectivas famílias, e o que, sobre as mesmas, ao conhecê-las, constatava. Embora aquilo que escrevi esteja baseado em factos, não presumo fornecer a Verdade. O meu relato é verdadeiro, apenas no sentido em que representa a minha verdade. Outros terão olhado as pessoas, os acontecimentos e as peripécias de que aqui falo de forma diferente.
Num país conservador, católico e hipócrita, o tom do livro poderá chocar; no entanto, a minha intenção não foi essa, mas a de tentar perceber, e de dar a perceber, uma vida, uma família e um país. Depois de tudo redigido, sofri um ataque de pânico. Uma noite, na Cinemateca, encontrei um amigo – não, por uma vez, não o nomearei – a quem revelei a intenção de publicar estas memórias.. Interrogada, disse que sim, que contava revelar os nomes das pessoas com quem me tinha cruzado. Ele ficou boquiaberto, tendo-me sugerido que usasse iniciais. Quando resisti á ideia, aconselhou-me a que deixasse o manuscrito na gaveta, com a especificação de que o mesmo só deveria ser publicado depois da minha morte. Familiarizada com a cultura anglo-saxónica, onde obras deste tipo são o pão-nosso de cada dia, não entendi as reticências, mas, após uns minutos de reflexão, concluí ser evidente que nem todos os portugueses encaravam a divulgação das suas vidas com o meu à-vontade. Durante várias noites, sofri de insónias, até que, uma madrugada, acordei com a resolução tomada. A linha inicial do poema de Emily Brontë, «No coward soul is mine», a divisa da minha adolescência, tinha de continuar a dirigir as minhas acções. O que viesse a acontecer, «in the world’s storm-troubled sphere», não era comigo. O livro seria publicado como o planeara. Sem medos, nem sentimentalismos.
Por vezes, pensa-se que o género autobiográfico sempre existiu. Mas a primeira obra a, como tal, ser concebida data do século IV, tendo sido escrita por um convertido ao Cristianismo, Santo Agostinho, o qual tão obcecado andava com a salvação da sua alma que teve necessidade de registar o seu percurso. Os contemporâneos consideraram o texto mórbido, o que fez com que, durante séculos, não tivessem aparecido imitadores. Teríamos de esperar pelo século XVIII para que algo de semelhante, as Confissões de Jean-Jacques Rousseau, surgisse. Nesta obra, já não é Deus, mas o Indivíduo que ocupa o centro. Curiosamente, o termo «autobiografia» não surgiu nessa altura, mas apenas em 1809, por obra do poeta Southey. O género, que viria a ter o seu apogeu nos países anglo-saxónicos, caracterizou-se, durante décadas, pela austeridade, só tendo adquirido um tom intimista em tempos recentes.
Ao escrever este livro, procurei, acima de tudo, ser honesta. Não querendo ferir ninguém, sabia que só valeria a pena lançar-me no empreendimento desde que fosse capaz de nada esconder. Por razões óbvias, não quis que nenhuma das pessoas que haviam desempenhado um papel durante esta fase da minha vida a ele tivessem acesso, nem procurei, com elas, colmatar falhas de memória. Escrevo sobre o que ficou registado no meu espírito, sobre o que o acaso me trouxe às mãos e sobre o que, tendo sido por mim escrito, não foi parar ao caixote do lixo. Procurei fornecer as datas e os nomes com exactidão. Se, num ou noutro caso, errei, não o fiz deliberadamente.
MÓNICA, Maria Filomena, Bilhete de Identidade 

Prosa 1



Enquanto eu reflectia silenciosamente sobre estas coisas para comigo e escrevia cim um estilete o meu lacrimoso queixume, vi aparecer junto de mim, por sobre a minha cabeça, uma mulher de rosto venerando, olhos cintilantes e perspicazes mais do que a normal capacidade humana, de cor vívida e de um vigor inexaurível, embora fosse tão carregada de anos que de modo algum se pensaria que fosse da nossa geração, com uma estatura difícil de definir. Na verdade, ora se reduzia ao tamanho normal dos homens, ora parecia tocar o céu com o cimo da cabeça. E, quando erguia a cabeça mais alto, penetrava no próprio céu e escondia-se da vista dos homens que a contemplavam.
As suas vestes eram tecidas com requintado lavor, com finíssimos fios e com um material indissolúvel, que, como depois percebi quando ela avançou, ela própria tecera por suas mãos. A beleza destas vestes tinha sido coberta por uma patine de vetustez negligenciada, como costuma acontecer com as imagens fumosas. Na sua fímbria interior lia-se um ∏ grego, na superior lia-se um Θ bordado, e entre as duas letras, à maneira de uma escada, viam-se marcados alguns degraus, para se subir por eles da letra inferior para a superior. Porém as mãos de homens violentos tinham rasgado esta mesma veste e arrebatado os pedaços que cada um conseguira arrancar, Na sua mão direita estavam os seus livros, na esquerda tinha um ceptro.
Quando viu as Musas da poesia em volta do meu leito e a ditar-me as palavras para os meus lamentos, perturbando-se um pouco, enfurecida e com olhar ameaçador, disse:
Quem permitiu a estas galderiazecas de teatro aproximarem-se deste infeliz, não para aliviarem com remédios as suas maleitas mas antes para ainda mais as alimentarem com doces venenos? São estas, com efeito, que com os estéreis espinhos das emoções matam a sementeira da razão, abundante em frutos, e a costumam as mentes dos homens à doença, em vez de as libertarem dela. E se as vossas carícias arrastassem algum inculto, como costumais fazer, as mais das vezes, eu acharia que seria algo menos difícil de tolerar, pois ao fazê-lo em nada prejudicaríeis as minhas obras, mas logo a este, educado nos estudos eleáticos e académicos!? Fora mas é daqui, Sereias tão doces que provocais a morte, deixai-o para que com as minhas Musas eu o cure e salve!
Aquele coro, invectivado por estas palavras, pôs os olhos no chão, entristecido, e, manifestando a sua vergonha pelo rubor das faces, saiu triste do aposento. Eu, pelo meu lado, que devido às lágrimas tinha o olhar turvo e não conseguia descortinar quem seria aquela mulher com tão imperativa autoridade, fiquei embasbacado, de olhos pregados no chão e silenciosamente fiquei na expectativa do que iria ela fazer a seguir. Então ela, chegando-se mais perto, sentou-se na beira do meu catre e, vendo o meu rosto pesaroso de desgosto e fixo em terra devido à tristeza, pranteou a perturbação da nossa mente com […] versos.


Boécio, A Consolação da Filosofia 

29. A Unidade do Meu Ser



Mas «porque a Vossa misericórdia é superior às vidas» confesso-Vos que a minha vida é distensão. «A Vossa dextra recolheu-me» por meio do meu Senhor, Filho do Homem e Mediador entre Vós que sois uno e nós que além de sermos muitos em número, vivemos apegados e divididos por muitas coisas. Assim me unirei por Ele a Vós a quem, por seu intermédio, fui ligado. Desprendendo-me dos dias em que dominou em mim a «concupiscência» alcançarei a unidade do meu ser, seguindo a Deus Uno. Esquecerei as coisas passadas. Preocupar-me-ei sem distracção alguma, não com as coisas futuras e transitórias, mas com aquelas que existem no presente. «Com fervor de espírito, dirijo-me para a palma da celestial vocação, onde ouvirei o cântico dos Vossos louvores e contemplarei a vossa alegria» que não conhece futuro nem passado.
Agora, porém, «os meus anos decorrem entre gemidos». Vós Senhor, consolação minha, sois eternamente meu Pai. Mas eu dispersei-me no tempo cuja ordem ignoro. Os meus pensamentos, as entranhas íntimas da minha alma, são dilacerados por tumultuosas vicissitudes até ao momento em que eu, limpo e purificado pelo fogo do vosso amor, me una a Vós.»


Santos Agostinho, Confissões, XI, 29

Primeiro Passeio



Eis-me sozinho na terra, sem irmão, parente próximo, amigo, ou companhia a não ser eu próprio. O mais sociável e o mais afectuoso dos homens foi proscrito da sociedade por um acordo unânime. No requinte do seu ódio, procuraram o tormento que fosse mais cruel para a minha alma sensível e quebraram violentamente todos os laços que a eles me ligavam. Eu teria amado os homens apesar do que são. Ao deixarem de o ser mais não fizeram do que furtar-se ao meu afecto. Ei-los, portanto, estrangeiros, desconhecidos, em suma, inexistentes para mim, já que assim o quiseram. Mas eu, desligado deles e de tudo, o que sou afinal? É o que me falta descobrir. Infelizmente, antes dessa descoberta, tenho de analisar a minha situação. É uma ideia pela qual tenho forçosamente de passar para, partindo deles, chegar a mim.
Há quinze anos ou mais que me encontro nesta estranha situação, e ainda me parece um sonho. Continuo a pensar que uma indigestão me atormenta, que tenho sonhos maus durante o sono e que vou acordar aliviado do meu sofrimento, entre os meus amigos. Sim, sem dar por isso, devo ter passado da vigília para o sono, ou antes, da vida para a morte. Afastado, não sei como, da ordem das coisas, vi-me precipitado num caos incompreensível em que não distingo nada; e quanto mais penso na minha situação presente, menos posso compreender onde me encontro. (…)


Jean-Jacques Rousseau, Os Devaneios do caminhante Solitário

domingo, 3 de novembro de 2013

Autobiografia

A minha história começa no dia 7 de Julho de 1998, quando nasci na maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa. Desde de então a minha vida tem sido uma longa coleção de pequenas histórias, que fazem de mim quem sou hoje, que juntas formam a minha história.
Desde pequeno que fui intuitivamente curioso, embora digam que, com a idade esta característica vai desaparecendo, comigo ocorreu o contrário, quanto mais velho fico, mais quero saber de tudo o que se passa à minha volta. Isto fez com que eu sempre tivesse uma crescente percepção do que ocorria ao meu redor, o que é sempre uma mais valia.
A minha vida escolar foi sempre constante, pois desde os 5 anos até ao 9º ano que frequentei a mesma escola. Isso apenas se alterou quando, ao passar para o 10º ano, mudei para a Escola Secundária Quinta do Marquês. Esta foi uma experiência interessante, pois, além de ter uma turma nova, estava numa escola nova. Mesmo assim tenho que reconhecer que, embora nunca tenha sido grande fã da mudança, esta foi uma à qual me habituei e passei a gostar.
O futuro, que para alguém como eu é algo que preocupa pois é a única coisa que não se pode saber, e não saber o que nos espera tem esse efeito. Como não posso prevê-lo, o melhor a fazer é tentar preparar-me, e é isso que eu fiz, faço e farei.