quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Amigo, a que vieste?

Amigo, a que Vieste?

Onde foste ao bater das quatro horas
e, antes, quem eras tu, se eras?
Amigo ou inimigo, posso falar-te agora
sentado à minha frente e com os ombros
vergados ao peso da caneta?
Falo-te sobre a cabeça baixa
e vejo para além de ti, no horizonte,
teus riscos e passadas;
mas não sei onde foste, nem se eras.
Olho-te ao fundo, sob o sol e a chuva,
fazendo gestos largos ou só um leve aceno;
dizes palavras antigas,
de antes das quatro horas,
e nada sei de ti que tu me digas
dessa cabeça surda.
Não te pergunto pela verdade,
que pensas de amanhã ou se já leste Goethe;
sequer se amaste ou amas
misteriosamente
uma mulher, um peixe, uma papoila.
Não quero essa mudez de condolências
a mim, a ti, ou só à terra
que tu e eu pisamos — e comemos.
Pergunto simplesmente se tu eras,
quem eras, e onde foste
depois que se fizeram quatro horas.

Será que não tens olhos? Não tos vejo.
De longe em longe
agitas a cabeça, mas talvez seja engano.
Palavra, não te entendo.
Amigo, a que vieste?
Pedro Tamen, in "Horácio e Coriáceo"



O tema deste poema de Pedro Tamen é a amizade.
O sujeito poético fala sobre um amigo que se foi embora, “Onde foste...”, “...mas não sei onde foste...”, e põe em causa a sua amizade, “...se eras?”
A dúvida é talvez a sua maior preocupação, evidente nas várias interrogações que faz ao longo do texto. Precisa de respostas quanto à verdade sobre a amizade de ambos:
“Não te pergunto pela verdade,
(...)
Pergunto simplesmente se tu eras,
quem eras, e onde foste...”
Não lhe interessam pormenores, mas apenas perceber por que razão o amigo veio, por que entrou na sua vida. Recorda momentos “...dizes palavras antigas,..” e quer evitar o silêncio entre ambos, “Não quero essa mudez de condolências/ a mim, a ti,...”, talvez porque sinta necessidade de falar com o amigo que partiu.

Na última estrofe do poema, o sujeito poético dá a entender que tudo foi um engano e que talvez não houvesse amizade. A dúvida continua a persistir no seu espírito. 

Bernardo Ribeiro

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Troco-me por ti

Troco-me por Ti

Troco-me por ti
Na brasa da fogueira mal ardida
renovo o fogo que perdi,
acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida.

E só trocado, parece, por não ser
na verdade conjugo o velho verbo
e sou, remido esquartejado,
o retrato perfeito em que exacerbo
os passos recolhidos pelo tempo andado.

Pedro Tamen, in “Rua de Nenhures”

O poeta fala de um amor perdido, amor esse que ele tenta trazer de volta à vida. Ele troca-se pela amada na fogueira que é o amor e renova o fogo perdido, ascendendo ao lume, ao leme, à vida. Toma controlo da vida.

Mas este controlo é uma ilusão pois a troca apenas o levou a mais dor. É emocionalmente esquartejado. Admite, assim, que neste estado em que se encontra ele é o retrato perfeito dos seus passos passados.

Um mover d'olhos brando e piadoso

Um mover d'olhos brando e piadoso

Um mover d’olhos brando e piadoso,
Sem ver de quê ; um sorriso brando e honesto,
quási forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;

Um desejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravíssimo e modesto;
ũa pura bondade, manifesto
indício da alma, limpo gracioso;

Um escolhido ousar; ũa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento:

Esta foi a celeste formosura
da minha Circe, e o mágico veneno
que pôde transformar meu pensamento.

Luís de Camões


Neste soneto o poeta usa adjetivos que, em geral, são utilizados para o carácter psicológico para descrever coisas como um olhar ou um sorriso. Esta maneira de descrever tais atos leva a crer que, através dela, ele tem a intenção de descrever a própria pessoa e o seu carácter.

O poeta tenciona acentuar a beleza e perfeição da mulher que é objeto da sua admiração, levar o leitor a perceber que, com tão perfeitos e belos gestos, ela como que o controla, o mantém sob o seu encantamento. Este encantamento que é descrito como mágico veneno que mudou o pensamento do poeta é o que se pode chamar de paixão pois, como se diz muitas vezes, "o amor é cego" e este amor cegou o poeta.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

"Troco-me por Ti" de Pedro Tamen

Troco-me por ti 
Na brasa da fogueira mal ardida 
renovo o fogo que perdi, 
acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida. 

E só trocado, parece, por não ser 
na verdade conjugo o velho verbo 
e sou, remido esquartejado, 
o retrato perfeito em que exacerbo 
os passos recolhidos pelo tempo andado. 
Pedro Tamen, in “Rua de Nenhures”















Nos dois primeiros versos, o sujeito poético expressa o seu sentimento de culpa, talvez por ter perdido momentos preciosos que podia ter passado ao lado da sua amada, e sabe claramente que ele próprio é o único responsável. No entanto, nos dois versos a seguir, parece pedir uma segunda oportunidade para voltar a viver essas memórias perdidas, essas lembranças esquecidas quando diz: "renovo o fogo que perdi,/ acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida". Ele quer voltar a viver o que não viveu.

Na segunda estrofe, o sujeito poético sugere a ideia de que apesar de ter tentado voltar atrás e recuperar o que estava perdido, esse esforço não é suficiente para se redimir e por isso é torturado pelas escolhas que fez no passado, escolhas essas que já não pode desfazer, erros que já não pode corrigir.



30

Já a luz se apagou do chão do mundo,
deixei de ser mortal a noite inteira;
ofensa grave a minha, que tentei
misturar-me aos duendes na floresta.
De máscara perfeita, e corpo ausente,
a todos enganei, e ninguém nunca
saberia que ainda permaneço
deste lado do tempo onde sou gente.
Não fora o gesto humano de querer-te
como quem, tendo sede, vê na água
o reflexo da mão que a oferece,
seria folha de árvore ou sério gnomo
absorto no silêncio de uma rima
onde a morte cessasse para sempre.

António Franco Alexandre
Duende

 O poema tem como tema a morte sendo também um soneto onde o poeta com um sentimento melancólico e pessimista afirma que tentara se salvar ao misturar-se com os duendes esperando ascender a algo divino, para alem da sua existência física, explicando mais tarde que não tinha sido um gesto como o de alguém que precisava que como diz no texto tentando-se desculpar.
No final do poema constata que tinha caído no esquecimento onde só encontrara a morte.


Interpretação do poema "Um Fado: Palavras Minhas" de Pedro Tamen


Um Fado: Palavras Minhas 

Palavras que disseste e já não dizes, 
palavras como um sol que me queimava, 
olhos loucos de um vento que soprava 
em olhos que eram meus, e mais felizes. 

Palavras que disseste e que diziam 
segredos que eram lentas madrugadas, 
promessas imperfeitas, murmuradas 
enquanto os nossos beijos permitiam. 

Palavras que dizias, sem sentido, 
sem as quereres, mas só porque eram elas 
que traziam a calma das estrelas 
à noite que assomava ao meu ouvido... 

Palavras que não dizes, nem são tuas, 
que morreram, que em ti já não existem 
— que são minhas, só minhas, pois persistem 
na memória que arrasto pelas ruas. 
     
                                     Pedro Tamen


Neste poema, a temática do amor é explorada na perspetiva deste sentimento enquanto algo capaz de transformar profundamente a existência do "eu". Neste caso, a recordação do passado está, afinal, bastante presente na vida do sujeito poético. 
A repetição do mesmo início em cada estrofe, põem em evidência a recordação intensa das palavras que eram ditas. 
As palavras proferidas, à distância, pela amada, eram carregadas de um sentido profundo, sendo capazes de criar um mundo perfeito. 
A "palavra" tem repetidamente, em todo o poema, um significado muito para além daquele que lhe podemos atribuir num sentido denotativo - as palavras que o "eu" ouvia transmitiam a ideia da profunda e perfeita ligação entre os dois, através delas, a amada transformava o mundo do sujeito lírico num mundo calmo. 
Porém, na última estrofe, torna-se claro que o sujeito poético e a pessoa com quem partilhava o amor já não estão juntos. Sem sabermos a razão dessa ausência, percebemos claramente que o sujeito lírico continua a recordar as palavras que ouvia. 
No presente, essa recordação poderá ser a única força que tem para continuar a enfrentar as dificuldades. 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Interpretação do poema "Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio", de Ricardo Reis

Vem sentar-te comigo, Lídia, à Beira do Rio

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar. 

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço. 




Ricardo Reis
(Heterónimo de Fernando Pessoa)
 
 
 
Ricardo Reis, um dos famosos heterónimos de Fernando Pessoa, escreve este poema para sua amada, Lídia.
Neste poema pode-se dizer que o sujeito poético está em busca de uma felicidade, e esta é relativa, uma vez que só é encontrada na natureza e nas coisas simples.
Percebe-se a importância que o pensamento tem para o sujeito poético
Mais à frente observa-se que o sujeito poético busca afastar-se do que poderá lhe causar sofrimento, dizendo que mesmo que haja amor, ódio, paixão, inveja, cuidado, o fim de tudo será sempre a morte. Este apercebe-se mais mais tarde ou mais cedo a morte chegará.
O que interesa é viver o momento só esse nos trará a verdadeira felicidade.

"Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio", de Ricardo Reis



Vem sentar-te comigo, Lídia, à Beira do Rio



Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar. 

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço. 



Ricardo Reis
(Heterónimo de Fernando Pessoa)


Eu amo Lídia — a principal ideia a reter deste poema.
É um poema bonito. Fala-nos de uma forma especial, porque nos conta uma história especial.
De modo a tornar esta análise algo mais natural, chamemos ao sujeito poético Ricardo (o primeiro nome do autor)

Ricardo ama Lídia.
Ricardo é louco de amores por Lídia.
Ricardo idolatra Lídia. Claramente.

Mas não deve ser o tema central do poema. Ricardo gosta, não só de estar com Lídia, mas de ser com Lídia. Como se pudéssemos encontrar-nos com alguém, ser com eles durante dez a vinte minutos, vá, seja uma tarde, e dizer "Obrigado. (pausa). Adeus." e seguirmos o nosso caminho, confiantes na certeza de que aquela é uma sensação para a vida inteira (a de ser com alguém) e que é, sem dúvida, a experiência mais importante de uma vida (a nossa vida).


Eu compreendo Ricardo. Gostava de poder dizer que sim, e que percebo o porquê de ele apreciar tanto o ser com Lídia à eira do rio. À beira do rio, que até lhe proporciona uma bela de uma metáfora, sobre a efemeridade da vida e do amor, e Ricardo, dirigindo-se a Lídia, fala sobre o Fado, o destino.


Ora, o destino é a morte. Sim.


E a forma que Ricardo arranja para contornar a morte (a sua, de Lídia, de um amor) é a de a encarar de forma infantil a morte e a vida e Lídia, que é ambas. É ser pagão, não acreditar em nada, é a curiosidade pelo reaprender da confortável ignorância infantil.
Para ser feliz. Feliz pela não-agitação, pelo diminuir da amplitude do seu "índice de felicidade". Pela não-procura de emoções grandemente antagónicas. Aurea Mediocritas. E é isto que Ricardo defende. Acho eu, espero eu.


Este poema não é uma mera "Ode a Lídia". É uma transcrição do discurso de Ricardo quando este se senta com Lídia à beira do rio. Percebemo-lo em "e não temos as mãos dadas", um aparte, um acidente de percurso na sua defesa, na sua justificação pelo modo como os dois agem, porque precisa de o explicar. E Lídia, nada diz. Percebe a importância do momento para ambos, mas sobretudo para o carácter racional de Ricardo que tivera dificuldade em encontrar explicação pelo gozo que lhe dava sentar-se com Lídia, ser com Lídia.


E Ricardo larga a mão de Lídia, pois não se quer cansar dela.
E o aroma das flores atenua o ambiente aparentemente leviano e sereno da beira-rio.

Interpretação do poema "Creio que Irei Morrer", de Alberto Caeiro

Creio que Irei Morrer
Creio que irei morrer.
Mas o sentido de morrer não me move,
Lembro-me que morrer não deve ter sentido.
Isto de viver e morrer são classificações como as das plantas.
Que folhas ou que flores têm uma classificação?
Que vida tem a vida ou que morte a morte?
Tudo são termos onde se define.

Alberto Caeiro, in “Poemas Inconjuntos”

Alberto Caeiro, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, é caracterizado por cantar a morte sem desespero e o envelhecer sem angústia. Neste poema pode-se observar a importância dada ao presente. Alberto Caeiro era um poeta objetivo, e isso pode-se comprovar através deste poema.
O sujeito lírico sabe que um dia irá morrer, e demonstra um estado de tranquilidade perante esta realidade, afirmando que aquele sentido de morrer não o preocupa, talvez por abolir dos seus próprios pensamentos o vício de pensar. O eu lírico afirma que morrer e o viver não têm um sentido lógico, não passam de classificações, como aquelas dadas às plantas. O poeta dá enfase ao subjetivismo da morte e da vida, e que não existe vida na vida, nem morte na própria morte, é dada uma despreocupação a isto. Por isso pode-se afirmar que o poeta é objetivo, e considera estas, pouco objetivas.
Este é um poema em que podemos reconhecer algumas características deste heterónimo, como, o objetivismo, o anti metafisica, a importância dada ao presente, e a forma sem desespero como ele canta a morte. 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A Inigualável

Ai, como eu te queria toda de violetas
E flébil de cetim...
Teus dedos longos, de marfim,
Que os sombreassem jóias pretas...

E tão febril e delicada
Que não pudesse dar um passo -
Sonhando estrelas, transtornada,
Com estampas de cor no regaço...

Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas -
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas...

Ah! que as tuas nostalgias fossem guizos de prata -
Teus frenesis, lantejoulas;
E os ócios em que estiolas,
Luar que se desbarata...

Teus beijos, queria-os de tule,
Transparecendo carmim -
Os teus espasmos, de seda...

— Água fria e clara numa noite azul,
Água, devia ser o teu amor por mim...

Mário de Sá-Carneiro

Neste poema, o autor mostra-se na posição de um apaixonado que procura explicar o que sente, através de uma descrição aprofundada dos seus quereres e fantasias diante da mulher amada. Para tal, recorre, por diversas vezes, ao uso da metáfora, comparando a sua amada a coisas raras, valiosas, contraditórias e únicas.
De uma forma peculiar, o amor veste-se de um sentimento que cega e transtorna o amador que, como se pode observar no poema, por vezes, até quer que a sua amada se mostre febril e friorenta.
Como em várias obras de lírica, o poeta dá às palavras o seu próprio significado, reinventando-as em contexto de arrebatamento amoroso, criando novos sentidos que expressam o seu sentir, o seu desejo e o seu querer, nem sempre entendido ou correspondido.
Este sentimento é algo que não pode ter qualquer significado objetivo, é algo que só pode dizer-se quando o eco sai de dentro de nós sob a forma de palavras. O amor é sempre subjetivo, para se compreender tem de se sentir e viver. Cristaliza uma emoção que varia de pessoa para pessoa, criando estados de espírito confusos, sentimentos contraditórios, ansiedade, bloqueios, inibições, comportamentos excessivos e exacerbados mas que, na minha opinião, é crucial para a vida e para nos sentirmos vivos pois sem ele apenas seríamos seres amorfos, limitados, monocromáticos como pedras incapazes de movimento.


David Barroso, 10º C

A luz que vem das pedras




A Luz que Vem das Pedras
A luz que vem das pedras, do íntimo da pedra,
tu a colhes, mulher, a distribuis
tão generosa e à janela do mundo.
O sal do mar percorre a tua língua;
não são de mais em ti as coisas mais.
Melhor que tudo, o voo dos insectos,
o ritmo nocturno do girar dos bichos,
a chave do momento em que começa o canto
da ave ou da cigarra
— a mão que tal comanda no mesmo gesto fere
a corda do que em ti faz acordar
os olhos densos de cada dia um só.
Quem está salvando nesta respiração
boca a boca real com o universo?

Pedro Tamen, in "Agora, Estar"

Este poema, de Pedro Tamen, tem como tópico base o amor, tendo começado por narrar o momento importante da sua vida amorosa, a sua paixão, que foi vitima de “semeou” e “distribuição” por parte da amada, depois, passa ao momento da partilha desse amor, agora totalmente crescido, que é descrito pelo autor como o melhor sentimento de todos e como o pináculo momentâneo, por fim, o autor anuncia o desfeche da peça com uma alternativa, quase como uma ameaça, que o que pode oferecer amor, também o pode tirar.
Na minha opinião, o autor interpreta o amor como uma esperança, como um milagre e, no entanto, um sentimento encarnado dentro de nós, tal afirmação pode ser dita com base no primeiro verso” A luz que vem das pedras, do íntimo da pedra”, que parece bastante esclarecedor em si. Com a minha experiência vitalícia , devo dizer que ele conseguiu tornar o amor como algo eterno, raro e, no entanto, tão comum.