quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Nesta última tarde em que respiro


Nesta última tarde em que respiro
A justa luz que nasce das palavras
E no largo horizonte se dissipa
Quantos segredos únicos, precisos,
E que altiva promessa fica ardendo
Na ausência interminável do teu rosto.
Pois não posso dizer sequer que te amei nunca
Senão em cada gesto e pensamento
E dentro destes vagos vãos poemas;
E já todos me ensinam em linguagem simples
Que somos mera fábula, obscuramente
Inventada na rima de um qualquer
Cantor sem voz batendo no teclado;             
Desta falta de tempo, sorte, e jeito,
Se faz noutro futuro o nosso encontro.
(António Franco Alexandre)

Tempo, ai como ele nos atormenta! Como a água que escorrega pelas mãos é o tempo.
Quando ele nos acaba, é aí que nos lembramos dele, nos damos conta que já passou e que um último suspiro paira perante nós, revelando-nos uma paz, envolvida na revolta, a tal revolta interior que permaneceu em nós desde sempre.
Neste poema é nos introduzido esse fim, uma respiração derradeira numa tarde serena. Nesse crepúsculo uma breve luz brilha, lindo vislumbre de um sonho, de uma promessa ardente, que por mais desejada que seja, não escapa e desvanece-se no largo horizonte.
Mas afinal o que será este cruel horizonte que tudo consome, até a ínfima luz? Esse seria certamente o Tempo.  E o tremeluzente raio de sol? Não poderia ser nem mais nem menos do que o Amor. Perfeito, ora, acabamos de confrontar dois velhos inimigos: o Tempo e o Amor, pois podemos pensar, como eu disse à pouco, que o horizonte suga a luz, mas este poema vem nos mostrar o contrário. Um element curioso nos alta há vista, a promessa que traz consigo muito mais do que aparenta, com  ela, vem a lembrança, a ausência, a saudade, de um amor há muito procurado mas nunca concretizado, contudo é nos impossível negá-lo e deixá-lo cair no esquecimento profundo do tempo, seria a maior das traições, e toda uma vida, um gesto, pensamento ou poema não passaria de uma “mera fábula”, que só existiria numa possível imaginação, numa rima  vulgar de um cantor sem voz e sem alma, nada faria sentido, tudo teria sido em vão… É precisamente aqui que realizamos, que o Amor é intemporal e que por mais que se tente dissipar, continuará a "rebelar-nos" o coração, que há pouco tão calmo estava. Não podendo fugir dele e já que tanto o tempo, como a sorte e o jeito não foram suficientes, só resta esperá-lo noutro futuro, noutra dimensão, noutra realidade talvez mais perfeita, mais feliz…

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