Amigo, a que Vieste?
Onde foste ao bater das quatro horas
e, antes, quem eras tu, se eras?
Amigo ou inimigo, posso falar-te agora
sentado à minha frente e com os ombros
vergados ao peso da caneta?
Falo-te sobre a cabeça baixa
e vejo para além de ti, no horizonte,
teus riscos e passadas;
mas não sei onde foste, nem se eras.
Olho-te ao fundo, sob o sol e a chuva,
fazendo gestos largos ou só um leve aceno;
dizes palavras antigas,
de antes das quatro horas,
e nada sei de ti que tu me digas
dessa cabeça surda.
Não te pergunto pela verdade,
que pensas de amanhã ou se já leste Goethe;
sequer se amaste ou amas
misteriosamente
uma mulher, um peixe, uma papoila.
Não quero essa mudez de condolências
a mim, a ti, ou só à terra
que tu e eu pisamos — e comemos.
Pergunto simplesmente se tu eras,
quem eras, e onde foste
depois que se fizeram quatro horas.
Será que não tens olhos? Não tos vejo.
De longe em longe
agitas a cabeça, mas talvez seja engano.
Palavra, não te entendo.
Amigo, a que vieste?
Pedro
Tamen, in "Horácio e Coriáceo"
O
tema deste poema de Pedro Tamen é a amizade.
O
sujeito poético fala sobre um amigo que se foi embora, “Onde foste...”, “...mas não sei onde foste...”, e põe em causa a sua amizade, “...se eras?”
A
dúvida é talvez a sua maior preocupação, evidente nas várias interrogações que
faz ao longo do texto. Precisa de respostas quanto à verdade sobre a amizade de
ambos:
“Não te pergunto pela
verdade,
(...)
Pergunto simplesmente se tu
eras,
quem eras, e onde foste...”
Não lhe interessam pormenores, mas
apenas perceber por que razão o amigo veio, por que entrou na sua vida. Recorda
momentos “...dizes palavras antigas,..”
e quer evitar o silêncio
entre ambos, “Não quero essa mudez de
condolências/ a mim, a ti,...”, talvez
porque sinta necessidade de falar com o amigo que partiu.
Na
última estrofe do poema, o sujeito poético dá a entender que tudo foi um engano
e que talvez não houvesse amizade. A dúvida continua a persistir no seu
espírito.
Bernardo Ribeiro
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