domingo, 20 de outubro de 2013

"New York Interior" de Edward Hopper

A noiva desolada

         Tudo começou em casa da minha tia, era dia 25 de dezembro, no ano de 1921, o ano em que fizera 17 anos, era Natal, mas uma certa agitação incomodativa enchia o ar, tinha calafrios, sentia-me constrangida, naquele lugar e naquela hora tudo parecia não encaixar, eu não pertencia ali, trocavam-se sorrisos falsos, abraços frios e olhares invejosos, era tudo menos Natal. Foi aí que passado um interminável jantar a observar os candelabros, o repetitivo papel de parede, de escutar aqui e ali a conversas, chega até mim apressadamente a minha tia, seus olhos brilhavam como chamas acesas e sua boca tremia de ansiedade. Nesse momento passou-me um arrepio pelo corpo avisando-me de que algo não estava bem... Até que vejo ao meu lado um rapaz, estava branco como a cal, muito sério e que devia ter para aí a minha idade, bem não fui capaz de continuar a minha avaliação pois fui interrompida por quem já esperava ser: a minha tia. Começa com um discurso atrapalhado e pretensioso tentando me apresentar o tal rapaz dizendo que ele vinha da família blablabla, que vivia... perdi-me, aquela minha tia sabia como cansar e adormecer uma pessoa. Foi assim que desapareceu e o pobre rapaz foi deixado sozinho ao meu lado sem saber bem o que fazer olhando curvado para o chão.
Saberia lá eu alguma vez na minha vida que aquilo estava a ser programado  e esperado pela minha família desde á muito tempo. Sim aquilo não era coisa boa, era assustador e manipulador, fazia-me sentir mal cada vez que olhava no espelho, pois só via uma marioneta a ser arrastada por fios num palco comprido e vazio, arrastavam-me de lá para cá e cá para lá e eu já tonta e sem rumo, confusa com a vida. Aquilo era o impensável, como é que me eu poderia casar com um paspalho que conheci na noite de natal? Como ? Eu perguntava-me todos os dias... Era impossível de contrariar a minha família, estavam todos formatados, todos sem excepção pareciam soldados alinhados a marcharem contra mim... Meu pai fazia questão de me alertar todos os dias para a falta de dinheiro e que esta era a única maneira de nos resgatar da iminente miséria, e que com o passar dos anos seria feliz e acabaria por gostar dele... Irritava-me o desprezo que tinham pela minha opinião e pela minha liberdade.
Foi tortuoso, arrancaram-me da cama de manhã cedo e a partir daí deixei de ter o controlo de mim própria, deixei-me arrastar mais uma vez pelos fios, só acordei quando estava no altar com o vestido branco de roda, feito de seda aquele que tinha sido da minha prima mais velha, uma desgraça, com um penteado elaboradíssimo, jóias e sapatos igualmente emprestados... Estava a tremer de susto que já nem sentia o espartilho sufocante, até que quando chegou a hora de dizer o “sim”, mudei, parei no tempo e apercebi-me que aquele era o momento. Corri o mais depressa que pude, voei até à entrada da igreja até que me voltei para trás e só tive coagem de dizer “Desculpem”.
A partir daí só parei a minha corrida quando cheguei a casa, quando me tranquei no meu quarto, sentei-me na cama e expirei. 
Olhando para o meu vestido, com o véu nas mãos, ali estava eu virada de costas para a janela pensando como tinha chegado àquele ponto e o que iria fazer. Foi então que só me ocorreu o pensamento “Tenho que fugir”. 




Maria Mendoça

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