quinta-feira, 1 de maio de 2014


Escrito por Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna é publicado pela primeira vez em três partes, no jornal Le Figaro, a 26 e 29 de Novembro e a 3 de Dezembro de 1863, vindo a integrar, em 1868, após a morte do seu autor, Charles Baudelaire, uma colectânea intitulada A Arte Romântica.
Charles Baudelaire é um poeta pensador de origem francesa, que viveu no século XIX, considerado por alguns como um poeta maldito, pelo seu livro de poemas intitulado As flores do mal.
Nasce em Paris, em 1821, e morre na mesma cidade, em 1867, sem ter alcançado a fama ou reconhecimento dos seus contemporâneos. Apesar disso, Baudelaire é hoje considerado um precursor de novas ideias, que influenciaram o pensamento e as artes do séc. XX, sendo reconhecido pela sua modernidade e ousadia, é considerado por muitos o pai do modernismo na literatura.
Mas o que é O Pintor da Vida Moderna?
Não é um livro de poesia, não é um romance ou sequer um livro de contos. É um ensaio.
O Pintor da Vida Moderna é uma obra literária e filosófica através da qual Baudelaire reflecte a sua perspectiva sobre a arte, a vida, a experiência quotidiana e o presente, o aqui e agora, palavras que, no seu entender, caracterizam a modernidade.
Com esta obra, Baudelaire não pretende pensar a Arte a partir das obras de autores reconhecidos pela opinião pública e pelos críticos formadores dessa opinião, por considerar que isso seria criar uma perspectiva necessariamente redutora, incompleta. Por isso, opta por olhar para a obra daqueles que ainda não obtiveram esse reconhecimento, sendo muitas vezes considerados artistas menores. Propõe-se assim pensar a Arte com base na beleza particular, na beleza de circunstância e na pintura dos costumes cuja qualidade essencial é expressar o presente, o que agora é mas que amanhã pode já não ser. Ou seja, o efémero (o que não permanece).
Assim, o objectivo de Baudelaire é:
Estabelecer uma teoria racional e histórica do belo, por oposição à teoria do belo único e absoluto.
Ou seja, mostrar que o belo é constituído por dois elementos aparentemente contraditórios: o eterno e o efémero, o invariável e o que é circunstancial, o temporal e o intemporal, o universal e o relativo.
Para fundamentar a sua tese, Baudelaire vai tomar como ponto de partida a moda e os costumes através da análise dos desenhos, gravuras e aguarelas de um artista que chama Sr.C.G, uma espécie de cronista de tendências e costumes de época, correspondente de um jornal londrino.
O Sr. C.G é Constantin Guys. Um artista autodidacta, curioso e interessado no trivial, nos aspectos da vida comum, nas cenas da vida quotidiana. Um homem do mundo, como lhe chama Baudelaire.
O Sr. C.G dá aos seus desenhos uma outra forma de representação, compatível com a modernidade do seu tempo. O seu atelier é o mundo e os seus modelos as pessoas que nele vivem. O que seu estilo é solto, não está preso a convenções ou escolas artísticas, capta em traços rápidos o momento, a situação em movimento, e é aqui que uma nova teoria do belo nasce.
Para fundamentar e melhor fazer entender a sua perspetiva, Baudelaire divide a obra em treze capítulos:
1.       O Belo, a moda e a felicidade
2.       O croqui de costumes
3.       O artista, homem do mundo, homem das multidões e criança
4.       A modernidade
5.       A arte mnemónica
6.       Os anais da guerra
7.       Pompas e solenidades
8.       O militar
9.       O dândi
10.   A mulher
11.   Elogio da maquilhagem
12.   As mulheres e as cortesãs
13.   Os veículos
No primeiro capítulo, associa o belo à moda e a moda à moral e aos costumes, defendendo a ideia de que a arte simboliza a dualidade do homem enquanto ser dotado de razão e de emoção sempre em busca da felicidade. Ou seja, o belo tal como a felicidade não é algo que possamos possuir de forma definitiva mas algo que temos de procurar permanentemente.
No segundo capítulo, afirma existirem meios privilegiados de expressar o belo que se manifesta nos costumes da vida burguesa e nas suas modas e tendências. São esses meios a gravura, o pastel, a água-forte, a água-tinta e a litografia, pois permitem uma liberdade de traço de representação de cenas do quotidiano que outros meios mais elaborados, como, por exemplo, a pintura a óleo, não permite.
No terceiro capítulo, apresenta-nos o Sr. C.G, um homem do mundo cuja principal característica é a curiosidade, ponto de partida do seu génio, que lhe permite olhar o mundo como se fosse sempre uma criança. E afirma a este propósito: A criança vê tudo como novidade, está sempre inebriada. Assim, o Sr. C.G. é um observador apaixonado, sensível, que olha o mundo à sua volta com olhos de ver, procurando captar a sua essência no seu permanente movimento. O mundo está sempre em movimento, pelo que o belo se expressa no presente, na captação fugaz do momento, no que é transitório, no aqui e agora.
No quarto e quinto capítulos, explora o conceito de modernidade e associa-o à arte de memorização expressiva do que acontece num determinado momento. A modernidade é a arte da memória do imediato. Expressa-se na síntese formada pelo olhar e sentir do artista diante de uma determinada realidade, num determinado momento. A essência está no que atravessa e está presente em todos os momentos e em todas as épocas. Por exemplo: a moda. Cada época tem o seu estilo, os seus acessórios, a sua forma de se mostrar aos outros, mas o estilo, os acessórios, a necessidade de se mostrar está sempre presente, é transversal a todas as épocas. A moda sempre existiu e continuará a existir. Faz parte da natureza humana procurar expressar-se através do belo, seja ele qual for e o modo como o expressa.
A partir daqui, nos capítulos que se seguem Baudelaire vai apresentar vários exemplos que ilustram o génio do Sr. C.G enquanto pintor da vida moderna: como correspondente de guerra de um jornal londrino (Ilustrated London News) traduz de modo exemplar, através de uma variada palete de cores e variedade de traços, as particularidades de cada situação, povo e cultura em cenário de guerra. Nenhum diário, nenhum relato escrito, nenhum livro exprime tão bem, em todos os seus detalhes dolorosos e na sua sinistra amplitude, a grande epopeia da guerra da Crimeia, por exemplo, escreve Baudelaire. Mas o mesmo se pode dizer quando o Sr.C.G pinta o fausto das cenas oficiais, das pompas e solenidades nacionais. (…)A festa comemorativa da Independência na catedral de atenas oferece um curioso exemplo desse talento. Também a pompa da vida militar é um dos seus temas preferidos, ilustrando com agrado as fardas e acessórios vistosos que a vestem e caracterizam.
A figura do Dândi e da Mulher também não escapam ao seu olhar curioso e vontade de cristalização, de paralisação do momento.
O Dândi é visto como uma espécie de ser situado num mundo à parte. É aquele cuja única ocupação é cultivar a ideia do belo em si próprio, satisfazer as suas próprias paixões e desejos, sentir e pensar. O Dândi não se confunde nem se mistura com o homem comum, é um intelectual refinado que não aspira a ser rico porque já o é, sendo essa riqueza expressa através da sua postura altiva e distanciada perante o que o rodeia, símbolo da superioridade aristocrática do seu espírito.
A mulher surge associada à dimensão do prazer, em geral, e ao prazer masculino, em particular. É vista como uma espécie de feiticeira que faz e desfaz fortunas, como musa inspiradora de artistas e poetas. Como escreve Baudelaire: A mulher é, sem dúvida, uma luz, um olhar, um convite à felicidade, às vezes uma palavra; mas ela é sobretudo uma harmonia geral (…), potenciada pelas roupas e acessórios que veste.
Aliás, os acessórios e a maquilhagem são também um elemento importante na moda e na definição do belo em cada época. Transformar o corpo, pintando-o, enfeitando-o é algo primitivo, é uma necessidade do ser humano. As vestes, os acessórios, a maquilhagem despem o homem da sua animalidade e dão-lhe uma nova natureza, uma natureza humana cuja marca fundamental é a insatisfação e necessidade constante de mudança. E é por isso que Baudelaire diz que todas as modas foram e são legitimamente encantadoras, é aí que reside a sua essência e intemporalidade.
Por último, Baudelaire volta às mulheres que, na vida mundana, se apresentam muito enfeitadas e embelezadas como forma de despertar a atenção e desejo dos homens. Mais uma vez a moda está presente, ditada pelas regras da profissão e pelos costumes.
E termina dizendo: O Sr. C.G tem um mérito profundo que lhe é peculiar, desempenhou voluntariamente uma função que outros artistas desdenharam e que cabia sobretudo a um homem do mundo preencher. Ele buscou por toda a parte a beleza passageira e fugaz da vida presente, o carácter daquilo que o leitor nos permitiu chamar de Modernidade.
Eu não conheci nem Baudelaire, nem o Sr. C.G mas parece-me que ambos foram sábios na forma como viveram e olharam o mundo. Concordo que a moda diz muito do que cada um é, do meio social em que vive, das influências que sofre e, sobretudo, das tendências artísticas e da visão que cada época tem do belo. Penso que a vida mundana continua a existir, as mulheres continuam a ser objecto de desejo dos homens, os dândis transformaram-se em metrossexuais e a procura da felicidade através da manifestação do belo é cada vez mais uma evidência num mundo que vive de e para as aparências!

David Barroso, 10º C

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