Escrito por Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna é publicado
pela primeira vez em três partes, no jornal Le Figaro, a 26 e 29 de Novembro e
a 3 de Dezembro de 1863, vindo a
integrar, em 1868, após a morte do seu autor, Charles Baudelaire, uma colectânea
intitulada A Arte Romântica.
Charles Baudelaire é um poeta pensador de origem francesa, que
viveu no século XIX, considerado por alguns como um poeta maldito, pelo seu
livro de poemas intitulado As flores do
mal.
Nasce em Paris, em 1821, e morre
na mesma cidade, em 1867, sem ter alcançado a fama ou reconhecimento dos seus contemporâneos.
Apesar disso, Baudelaire é hoje considerado um precursor de novas ideias, que
influenciaram o pensamento e as artes do séc. XX, sendo reconhecido pela sua
modernidade e ousadia, é considerado por muitos o pai do modernismo na
literatura.
Mas o que é O Pintor da Vida Moderna?
Não é um livro de poesia, não é
um romance ou sequer um livro de contos. É um ensaio.
O Pintor da Vida Moderna
é uma obra literária e filosófica através da qual Baudelaire reflecte a sua
perspectiva sobre a arte, a vida, a experiência quotidiana e o presente, o aqui
e agora, palavras que, no seu entender, caracterizam a modernidade.
Com esta obra, Baudelaire não
pretende pensar a Arte a partir das obras de autores reconhecidos pela opinião
pública e pelos críticos formadores dessa opinião, por considerar que isso
seria criar uma perspectiva necessariamente redutora, incompleta. Por isso,
opta por olhar para a obra daqueles que ainda não obtiveram esse
reconhecimento, sendo muitas vezes considerados artistas menores. Propõe-se
assim pensar a Arte com base na beleza particular, na beleza de
circunstância e na pintura dos costumes cuja qualidade essencial é
expressar o presente, o que agora é mas que amanhã pode já não ser. Ou seja, o
efémero (o que não permanece).
Assim, o objectivo de Baudelaire
é:
Estabelecer uma teoria racional e
histórica do belo, por oposição à teoria do belo único e absoluto.
Ou seja, mostrar que o belo é constituído
por dois elementos aparentemente contraditórios: o eterno e o efémero, o
invariável e o que é circunstancial, o temporal e o intemporal, o universal e o
relativo.
Para fundamentar a sua tese,
Baudelaire vai tomar como ponto de partida a moda e os costumes através da
análise dos desenhos, gravuras e aguarelas de um artista que chama Sr.C.G, uma
espécie de cronista de tendências e costumes de época, correspondente de um
jornal londrino.
O Sr. C.G é Constantin Guys. Um artista autodidacta, curioso e interessado
no trivial, nos aspectos da vida comum, nas cenas da vida quotidiana. Um homem do mundo, como lhe chama
Baudelaire.
O Sr. C.G dá aos seus desenhos
uma outra forma de representação, compatível com a modernidade do seu tempo. O
seu atelier é o mundo e os seus
modelos as pessoas que nele vivem. O que seu estilo é solto, não está preso a
convenções ou escolas artísticas, capta em traços rápidos o momento, a situação
em movimento, e é aqui que uma nova teoria do belo nasce.
Para fundamentar e melhor fazer
entender a sua perspetiva, Baudelaire divide a obra em treze capítulos:
1. O
Belo, a moda e a felicidade
2. O
croqui de costumes
3. O
artista, homem do mundo, homem das multidões e criança
4. A
modernidade
5. A
arte mnemónica
6. Os
anais da guerra
7. Pompas
e solenidades
8. O
militar
9. O
dândi
10. A
mulher
11. Elogio
da maquilhagem
12. As
mulheres e as cortesãs
13. Os
veículos
No primeiro
capítulo, associa o belo à moda e a moda à moral e aos costumes, defendendo a
ideia de que a arte simboliza a dualidade do homem enquanto ser dotado de razão
e de emoção sempre em busca da felicidade. Ou seja, o belo tal como a
felicidade não é algo que possamos possuir de forma definitiva mas algo que
temos de procurar permanentemente.
No segundo capítulo,
afirma existirem meios privilegiados de expressar o belo que se manifesta nos
costumes da vida burguesa e nas suas modas e tendências. São esses meios a
gravura, o pastel, a água-forte, a água-tinta e a litografia, pois permitem uma
liberdade de traço de representação de cenas do quotidiano que outros meios
mais elaborados, como, por exemplo, a pintura a óleo, não permite.
No terceiro
capítulo, apresenta-nos o Sr. C.G, um homem do mundo cuja principal
característica é a curiosidade, ponto de partida do seu génio, que lhe permite
olhar o mundo como se fosse sempre uma criança. E afirma a este propósito: A
criança vê tudo como novidade, está sempre inebriada. Assim, o Sr. C.G.
é um observador apaixonado, sensível, que olha o mundo à sua volta com olhos de
ver, procurando captar a sua essência no seu permanente movimento. O mundo está
sempre em movimento, pelo que o belo se expressa no presente, na captação fugaz
do momento, no que é transitório, no aqui e agora.
No quarto e quinto
capítulos, explora o conceito de modernidade e associa-o à arte de memorização
expressiva do que acontece num determinado momento. A modernidade é a arte da
memória do imediato. Expressa-se na síntese formada pelo olhar e sentir do
artista diante de uma determinada realidade, num determinado momento. A
essência está no que atravessa e está presente em todos os momentos e em todas
as épocas. Por exemplo: a moda. Cada época tem o seu estilo, os seus
acessórios, a sua forma de se mostrar aos outros, mas o estilo, os acessórios,
a necessidade de se mostrar está sempre presente, é transversal a todas as
épocas. A moda sempre existiu e continuará a existir. Faz parte da natureza
humana procurar expressar-se através do belo, seja ele qual for e o modo como o
expressa.
A partir
daqui, nos capítulos que se seguem Baudelaire vai apresentar vários exemplos
que ilustram o génio do Sr. C.G enquanto pintor da vida moderna: como
correspondente de guerra de um jornal londrino (Ilustrated London News) traduz de modo exemplar, através de uma
variada palete de cores e variedade de traços, as particularidades de cada
situação, povo e cultura em cenário de guerra. Nenhum diário, nenhum relato
escrito, nenhum livro exprime tão bem, em todos os seus detalhes dolorosos e na
sua sinistra amplitude, a grande epopeia da guerra da Crimeia, por
exemplo, escreve Baudelaire. Mas o mesmo se pode dizer quando o Sr.C.G pinta o
fausto das cenas oficiais, das pompas e solenidades nacionais. (…)A festa
comemorativa da Independência na catedral de atenas oferece um curioso exemplo
desse talento. Também a pompa da vida militar é um dos seus temas
preferidos, ilustrando com agrado as fardas e acessórios vistosos que a vestem
e caracterizam.
A figura do
Dândi e da Mulher também não escapam ao seu olhar curioso e vontade de
cristalização, de paralisação do momento.
O Dândi é
visto como uma espécie de ser situado num mundo à parte. É aquele cuja única
ocupação é cultivar a ideia do belo em si próprio, satisfazer as suas próprias
paixões e desejos, sentir e pensar. O Dândi não se confunde nem se mistura com
o homem comum, é um intelectual refinado que não aspira a ser rico porque já o
é, sendo essa riqueza expressa através da sua postura altiva e distanciada
perante o que o rodeia, símbolo da superioridade aristocrática do seu espírito.
A mulher surge
associada à dimensão do prazer, em geral, e ao prazer masculino, em particular.
É vista como uma espécie de feiticeira que faz e desfaz fortunas, como musa
inspiradora de artistas e poetas. Como escreve Baudelaire: A mulher é, sem dúvida, uma luz,
um olhar, um convite à felicidade, às vezes uma palavra; mas ela é sobretudo
uma harmonia geral (…), potenciada pelas roupas e acessórios que veste.
Aliás, os
acessórios e a maquilhagem são também um elemento importante na moda e na
definição do belo em cada época. Transformar o corpo, pintando-o, enfeitando-o
é algo primitivo, é uma necessidade do ser humano. As vestes, os acessórios, a
maquilhagem despem o homem da sua animalidade e dão-lhe uma nova natureza, uma
natureza humana cuja marca fundamental é a insatisfação e necessidade constante
de mudança. E é por isso que Baudelaire diz que todas as modas foram e são
legitimamente encantadoras, é aí que reside a sua essência e intemporalidade.
Por último,
Baudelaire volta às mulheres que, na vida mundana, se apresentam muito
enfeitadas e embelezadas como forma de despertar a atenção e desejo dos homens.
Mais uma vez a moda está presente, ditada pelas regras da profissão e pelos
costumes.
E termina
dizendo: O Sr. C.G tem um mérito profundo que lhe é peculiar, desempenhou
voluntariamente uma função que outros artistas desdenharam e que cabia
sobretudo a um homem do mundo preencher. Ele buscou por toda a parte a beleza
passageira e fugaz da vida presente, o carácter daquilo que o leitor nos
permitiu chamar de Modernidade.
Eu não conheci
nem Baudelaire, nem o Sr. C.G mas parece-me que ambos foram sábios na forma
como viveram e olharam o mundo. Concordo que a moda diz muito do que cada um é,
do meio social em que vive, das influências que sofre e, sobretudo, das
tendências artísticas e da visão que cada época tem do belo. Penso que a vida
mundana continua a existir, as mulheres continuam a ser objecto de desejo dos homens,
os dândis transformaram-se em metrossexuais e a procura da felicidade através
da manifestação do belo é cada vez mais uma evidência num mundo que vive de e para
as aparências!
David Barroso, 10º C
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