Uma última vez
Estávamos na Primavera de 1942. Por todo o lado ouviam-se rumores
sobre a guerra, sobre os Alemaes e os judeus, sobre os campos de concentração e
as mortes. A cada dia que passava, mais americanos eram enviados para
Inglaterra a fim de combaterem ao lado dos Aliados, sem nunca ter a certeza se
voltariam para casa.
Tínhamos ido passar uma semana na nossa casa do prado, longe de
tudo e todos, onde apenas se ouvia a aragem a passar no meio das ervas altas e
o chão de madeira gasto a ranger quando o pisávamos. Costumávamos passar cá
temporadas nesta altura do ano: o bom tempo era uma razão para nos alegrarmos e
celebrarmos porque com este vinham, também, as longas noites a observar as
estrelas, os serões passados com os amigos, as gargalhadas, os dias quentes e
compridos, os passeios de mãos dadas sem fim, a tranquilidade.
Mas agora, nenhum de nós falava, só se ouvia a sua respiração meia
ofegante. Ambos fixávamos a carta em cima da mesa, aterrorizados. Sabíamos o
que significava. Lentamente, espreitei pelo canto do olho e vi que o seu rosto
não tinha expressão, estava imóvel como uma estátua fria e morta.
Estendi a minha mão trémula e, devagarinho, segurei a dele como se
de cristal se tratasse. Não reagiu durante alguns segundos. Em seguida, olhou
para mim com os olhos azuis outrora radiantes, mas que agora pareciam desolados
e puxou me para si envolvendo me nos seus braços com força. Não aquela força
que nos faz sentir claustrofóbicos e sem ar mas aquela que nos sabe bem quando
aplicada na altura certa, que nos faz sentir especiais.
Não sei quanto tempo ficámos assim mas as minhas mãos em torno do
seu pescoço recusavam larga-lo. Nem queria pensar que este abraço se estava
prestes a tornar apenas uma memoria, em breve esquecida no tempo. Era uma ideia
inaceitavel.
Passei os meus dedos delicados pelo seu cabelo macio, enquanto ele
acariciava o meu, e cheirei, suavemente, o seu perfume. Fechei os olhos e
comecei a sussurrar-lhe ao ouvido uma canção especial, uma há muito nossa
conhecida, na esperança de afugentar os demónios que se apoderavam dos seus
pensamentos.
Foi escurecendo por isso fomo-nos deitar porém os minutos pareciam
horas enquanto permanecíamos ali, deitados a frente a frente, tentando não
fechar os olhos pesados e escutando o silêncio ensurdecedor que fazia questão
de partilhar aquele quarto connosco.
E então, amanheceu. Depois de vestir o seu uniforme, calçar as
suas botas e pôr o seu saco às costas, dirigimo-nos os dois à porta
acompanhados pelo ranger do chão antigo a cada passada.
Lá fora, o sol rasgava o horizonte preenchendo o prado com um tom dourado.
O ar estava abafado e irrespirável.
Ele voltou-se para mim e os seus lábios tocaram os meus uma última
vez.
“ Vou ter saudades” disse ele, e partiu.
Fui para dentro e da janela observei-o, enquanto se afastava por
entre as ervas, com o coração nas mãos.
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